segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A Repartição Hollywoodiana



Tenho vários projetos em andamento (na verdade, arrastamento) com alguns amigos meus: quadrinhos, livros, seriados, desenhos animados e filmes. Não vou falar sobre eles aqui no momento por que, convenhamos, não haverá qualquer tipo de repercussão sobre algo que ainda “pseudopoda” pelas mentes e papéis dos idealizadores. Vou discorrer, sim, sobre um assunto que explorei bem com um dos meus colaboradores, Kiko Junqueira: devemos agradar ao público ou a nós mesmos? Devemos explorar os filmes como “blockbusters” (como diria o pessoal do Melhores do Mundo.net, fazendo filme “Massa Véio”) ou devemos ter um tom mais independente (estilo cinema alemão, como alguns pseudo intelectuais dizem)?


Foi então que eu desenvolvi a analogia de que a indústria do entretenimento é como uma repartição pública. Departamento de suspense, departamento de terror, departamento de comédia, departamento de aventura,... E existe o grande chefe da repartição. E este é o porta-voz do público, dos consumidores. Ele pode aloprar sua definição do público: burros, intelectuais, bizarros, conservadores,... Mas algo que o chefe nunca vai dizer é “esqueça o público”. E isso é o que faz com que os roteiros sejam feitos para sustentar a atenção de um público em busca apenas de duas horas de distração.


Mas como já diz o ditado: “toda a unanimidade é burra”. E quando você agrada uma maioria exorbitante de pessoas, você é bom? Ou você só conseguiu acumular admiração de um amontoado de pessoas burras com alguns intelectuais que querem saber que porcaria é aquela (e que até gostam do que testemunharam)?


Tudo é fruto de trabalho, por pior que seja o resultado. Às vezes você escreve um excelente roteiro que pode ser sublimado por causa do carinho dado aos efeitos especiais (que tem como função, atualmente, mascarar um roteiro fraco) ou para as linhas a mais dadas para um ator/atriz que queira mais tempo de tela (pois é esse nome que atrai gente pras salas de cinema, pra frente da tela da TV/computador). O problema é que tem gente que se especializa só num departamento e não consegue ir além daquilo. Não por não ter capacidade, muito pelo contrário, mas por ter se mostrado tão bom naquela área que foi promovido a chefe daquele setor.


Um exemplo disso é o pobre M. Night Shyamalan. O cara chegou prometendo com seu “O Sexto Sentido”, um sucesso incontestável. Ele tentou fazer algo diferente, dentro do mesmo departamento, com “Corpo Fechado”, mas não teve a mesma repercussão do filme anterior, pois todo mundo queria ver um novo “O Sexto Sentido”. Na seqüência, ele colocou “Sinais” nos cinemas, com um clima que remetia ao seu maior sucesso. Pode não ter sido nem de perto a mesma bilheteria, mas serviu como um retorno do diretor ao departamento do qual foi nomeado chefe em seguida: o Departamento “Filmes de suspense com reviravolta”. Por várias vezes ele tentou fazer algo diferente, mas foi sempre questionado por não fazer um novo “O Sexto Sentido”. Esta é a dança de um excelente diretor que se especializou, e não se qualificou.
 


O exemplo contrário – um diretor respeitado, mas sem departamento específico – é Ridley Scott. O homem não tem um estilo fixo, mas quando faz um filme de determinado tema, ele o define muito bem. De “Alien – o 8º Passageiro” para “Blade Runner – O Caçador de Andróides” existe um salto sutil de tema, mas depois pular para “Chuva Negra” e em seguida “Thelma & Louise” mostra o quão disposto a não ser um diretor de um tema Scott é. Ninguém nunca diria que um homem que começou a dirigir aos 40 anos, com um filme de alienígenas assassinos, estaria hoje, aos 70 anos, com filmes em seu currículo sobre um general romano abandonado à própria sorte desafiando um imperador covarde ou outro sobre as histórias interligadas entre um policial e um gângster repleto de violência social? Ele se qualificou e a sua ousadia deu a ele o ar de “falsa especialização”. Ele ganhou nome pela coragem e respeito pela ousadia.



 E, claro, isto influi diretamente nos roteiros que chegam às mãos dos diretores. Alguns querem só fazer seu departamento render algum lucro. Aí saem os roteiros que se baseiam na boazuda ou no efeito especial de ponta. Mas também existem aqueles caras que resolvem os pepinos destinados ao chefe do departamento quando este está tomando um cafezinho. É quando alguém mostra o interesse em fazer algo que acrescente e, melhor, que o leve às vistas do chefe de toda a repartição.

 
Aí entra outra parte do problema: agradar o público é necessário, mas público específico ou o máximo de público possível? Minha opinião pessoal é que não devemos nunca menosprezar o nosso público e devemos apresentar o melhor trabalho possível. O grande empecilho é que não adianta dar escargot e talheres pra um somaliano se ele tem fome imediata, não vai saber comer e nem apreciar aquilo da forma que merece. Poucas pessoas são refinadas para determinados materiais. Devemos nos sujeitar a fazer algo limitado pra alimentar alguns milhares, ou explorar todo o potencial de um trabalho para uma porcentagem relativamente menor que vai te compreender com certeza e arriscar que alguns dos outros esfomeados tenham real vontade de extrair do seu empenho algo de bom, para que ele reflita? Dúvida por demais cruel e que, sinceramente, não tenho resposta. E não sei também se a sua resposta está certa, ou sequer se você tem uma resposta...


Onde eu quero chegar com isso tudo? Não podemos dançar pagode em roda punk, meus amigos. Se você quer fazer a diferença, terá de primeiro entrar no baile. Depois, dançar um pouco com os outros pra ver qual é o passo do momento. Quando souber a coreografia, incremente algo novo até que percebam que você está dançando diferente e, de preferência, melhor. Mas quando todos estiverem dançando como você, vá para outro baile dançar uma nova coreografia. Assim, você terá a capacidade de deixar portas abertas por onde passa e pessoas receptivas ao que você tem a oferecer.

Posso não concordar com o sistema, mas se quero mudá-lo, devo primeiro conquistá-lo. E, um dia, eu serei o chefe da repartição.

Texto de 25 de Setembro de 2008

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