Tenho vários projetos em
andamento (na verdade, arrastamento) com alguns amigos meus: quadrinhos,
livros, seriados, desenhos animados e filmes. Não vou falar sobre eles aqui no
momento por que, convenhamos, não haverá qualquer tipo de repercussão sobre
algo que ainda “pseudopoda” pelas
mentes e papéis dos idealizadores. Vou discorrer, sim, sobre um assunto que
explorei bem com um dos meus colaboradores, Kiko Junqueira: devemos agradar ao público ou a nós mesmos? Devemos
explorar os filmes como “blockbusters”
(como diria o pessoal do Melhores do
Mundo.net, fazendo filme “Massa Véio”)
ou devemos ter um tom mais independente (estilo cinema alemão, como alguns
pseudo intelectuais dizem)?
Foi então que eu desenvolvi a
analogia de que a indústria do entretenimento é como uma repartição pública.
Departamento de suspense, departamento de terror, departamento de comédia,
departamento de aventura,... E existe o grande chefe da repartição. E este é o
porta-voz do público, dos consumidores. Ele pode aloprar sua definição do
público: burros, intelectuais, bizarros, conservadores,... Mas algo que o chefe
nunca vai dizer é “esqueça o público”.
E isso é o que faz com que os roteiros sejam feitos para sustentar a atenção de
um público em busca apenas de duas horas de distração.
Mas como já diz o ditado: “toda a unanimidade é burra”. E quando
você agrada uma maioria exorbitante de pessoas, você é bom? Ou você só
conseguiu acumular admiração de um amontoado de pessoas burras com alguns
intelectuais que querem saber que porcaria é aquela (e que até gostam do que
testemunharam)?
Tudo é fruto de trabalho, por
pior que seja o resultado. Às vezes você escreve um excelente roteiro que pode
ser sublimado por causa do carinho dado aos efeitos especiais (que tem como
função, atualmente, mascarar um roteiro fraco) ou para as linhas a mais dadas
para um ator/atriz que queira mais tempo de tela (pois é esse nome que atrai
gente pras salas de cinema, pra frente da tela da TV/computador). O problema é
que tem gente que se especializa só num departamento e não consegue ir além
daquilo. Não por não ter capacidade, muito pelo contrário, mas por ter se
mostrado tão bom naquela área que foi promovido a chefe daquele setor.
Um exemplo disso é o pobre M. Night Shyamalan. O cara chegou
prometendo com seu “O Sexto Sentido”,
um sucesso incontestável. Ele tentou fazer algo diferente, dentro do mesmo
departamento, com “Corpo Fechado”,
mas não teve a mesma repercussão do filme anterior, pois todo mundo queria ver
um novo “O Sexto Sentido”. Na
seqüência, ele colocou “Sinais” nos cinemas, com um clima que remetia ao seu
maior sucesso. Pode não ter sido nem de perto a mesma bilheteria, mas serviu
como um retorno do diretor ao departamento do qual foi nomeado chefe em
seguida: o Departamento “Filmes de
suspense com reviravolta”. Por várias vezes ele tentou fazer algo
diferente, mas foi sempre questionado por não fazer um novo “O Sexto Sentido”. Esta é a dança de um
excelente diretor que se especializou, e não se qualificou.
O exemplo contrário – um diretor respeitado, mas sem departamento específico – é Ridley Scott. O homem não tem um estilo fixo, mas quando faz um filme de determinado tema, ele o define muito bem. De “Alien – o 8º Passageiro” para “Blade Runner – O Caçador de Andróides” existe um salto sutil de tema, mas depois pular para “Chuva Negra” e em seguida “Thelma & Louise” mostra o quão disposto a não ser um diretor de um tema Scott é. Ninguém nunca diria que um homem que começou a dirigir aos 40 anos, com um filme de alienígenas assassinos, estaria hoje, aos 70 anos, com filmes em seu currículo sobre um general romano abandonado à própria sorte desafiando um imperador covarde ou outro sobre as histórias interligadas entre um policial e um gângster repleto de violência social? Ele se qualificou e a sua ousadia deu a ele o ar de “falsa especialização”. Ele ganhou nome pela coragem e respeito pela ousadia.
E, claro, isto influi diretamente nos roteiros que chegam às mãos dos diretores. Alguns querem só fazer seu departamento render algum lucro. Aí saem os roteiros que se baseiam na boazuda ou no efeito especial de ponta. Mas também existem aqueles caras que resolvem os pepinos destinados ao chefe do departamento quando este está tomando um cafezinho. É quando alguém mostra o interesse em fazer algo que acrescente e, melhor, que o leve às vistas do chefe de toda a repartição.
Aí entra outra parte do problema:
agradar o público é necessário, mas público específico ou o máximo de
público possível? Minha opinião pessoal é que não devemos nunca menosprezar
o nosso público e devemos apresentar o melhor trabalho possível. O grande
empecilho é que não adianta dar escargot
e talheres pra um somaliano se ele tem fome imediata, não vai saber comer e nem
apreciar aquilo da forma que merece. Poucas pessoas são refinadas para
determinados materiais. Devemos nos sujeitar a fazer algo limitado pra
alimentar alguns milhares, ou explorar todo o potencial de um trabalho para uma
porcentagem relativamente menor que vai te compreender com certeza e arriscar
que alguns dos outros esfomeados tenham real vontade de extrair do seu empenho
algo de bom, para que ele reflita? Dúvida por demais cruel e que, sinceramente,
não tenho resposta. E não sei também se a sua resposta está certa, ou sequer se
você tem uma resposta...
Onde eu quero chegar com isso
tudo? Não podemos dançar pagode em roda punk, meus amigos. Se
você quer fazer a diferença, terá de primeiro entrar no baile. Depois, dançar
um pouco com os outros pra ver qual é o passo do momento. Quando souber a
coreografia, incremente algo novo até que percebam que você está dançando
diferente e, de preferência, melhor. Mas quando todos estiverem dançando como
você, vá para outro baile dançar uma nova coreografia. Assim, você terá a
capacidade de deixar portas abertas por onde passa e pessoas receptivas ao que
você tem a oferecer.
Posso não concordar com o
sistema, mas se quero mudá-lo, devo primeiro conquistá-lo. E, um dia, eu serei
o chefe da repartição.
Texto de 25 de Setembro de 2008
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